O 6º Festival de Música da Paraíba, com eliminatórias em Cajazeiras e final em João Pessoa, em 03 de junho de 2023, homenageou o cantor, compositor, escritor, declamador, folclorista, embolador, poeta e animador de programas de rádios, Zé do Norte.
Nascido como Alfredo Ricardo do Nascimento, no município de Cajazeiras, em 18/12/1908, Zé do Norte era o filho caçula de D. Maria das Dores da Conceição e de Antônio Ricardo, um agricultor, rendeiro do Sítio São Francisco, que pertencia ao avô do médico e político Dr. Otacílio Guimarães Jurema. Perdeu o pai em 1910, aos dois anos de idade, e a mãe em 1919, vítima da epidemia espanhola, com apenas 11 anos.
Sobreviveu às epidemias de varíola (1915) e da gripe espanhola (1919) e testemunhou a violência dos cangaceiros.
Em entrevista à jornalista e professora Mariana Moreira, publicada pelo Jornal A União do dia 22 de maio de 1987, falou de um trato entre Padre Cícero e Lampião (Virgulino Ferreira), para não entrar em Cajazeiras, acordo esse que teria sido desrespeitado por Sabino, considerado na região como o braço direito do líder do cangaço.
Saiu para Fortaleza aos 16 anos, em busca de emprego. Aos 18 anos decidiu ir para o Rio, para servir o exército e seguir seu sonho de estudar. Em Cajazeiras, foi tangedor de burro, cambiteiro de cana de açúcar, vendedor de água pelas ruas da cidade. No Rio, foi enfermeiro, feitor de estrada de ferro e guarda mata-mosquito, tendo finalmente encontrado seu caminho como compositor, cantor e apresentador nas rádios Tupi (1939); Transmissora Brasileira (atual Rádio Globo) 1940-1945; e Rádio Clube do Brasil (atual Mundial), de 1945-1946.
Foi candidato a vereador do Rio de Janeiro, pelo Partido Social Trabalhista (PST), em 1950, obtendo pouco mais de trezentos votos. Zé do Norte atribuiu a sua derrota a dois fatores: rompimento político com parceiros do “Queremismo” e a exigência do registro no Tribunal Eleitoral com o nome de nascimento, quando ele era conhecido como Zé do Norte.
Das mais de 150 músicas que compôs, destacam-se as que foram gravadas pela paraibana Socorro Lira, em comemoração aos 100 anos do seu nascimento: Meu Pião, Rainha de Tamba, Flor do Campo, Mulher Rendeira, Balança a Rede, No Reino de Iemanjá, São Jorge e a Lua, Sodade, meu bem sodade, Sapato de Algodão, Vai Ver quem chegou e Lua Bonita. A última faixa desse álbum traz o poema “O Poeta”, composto e declamado por ele. Maria Bethânia, Caetano Veloso, Nana Caymmi, Alceu Valença, Eduardo Araújo, Pena Branca & Xavantinho, Renato Braz, Quinteto Violado e Joan Baez também gravaram suas músicas.
Escreveu e publicou, em produção independente, Memórias de Zé do Norte, Brasil Sertanejo, O Lobisomem de Cajazeiras e A Vingança da Nega Ouro.
Tendo lançado Inezita Barroso, Luiz Vieira e Luiz Gonzaga, Zé do Norte reclamava da falta de apoio à carreira dos regionalistas: “Depois dessa onda de Rock, de discoteque, as fábricas se interessaram mais por esses estilos, mais comerciais e desprezam a verdadeira música brasileira. Os artistas gravam, mas não vendem. O falecido Jackson do Pandeiro gravava, mas não vendia. O único que ainda vende qualquer coisa é Luiz Gonzaga.”
Suas memórias do cangaço e suas melodias compuseram o roteiro e a trilha sonora do filme O Cangaceiro, premiado em Cannes (1953), dirigido pelo cineasta Lima Barreto, a convite da roteirista e escritora cearense, Raquel de Queiroz, como “consultor da prosódia sertaneja”.
Sobre a polêmica da autoria da música “Mulher Rendeira”, Zé do Norte admitiu que apenas fez o arranjo e acrescentou versos. Guardou uma mágoa grande de Lima Barreto, que registrou a música como de domínio público e não deu os devidos créditos ao que lhe cabia.
Homenageado como patrono do 9º Festival de Artes da Paraíba, que aconteceu em Cajazeiras, em 1985, sua trajetória foi tema do documentário Centenário Zé do Norte – 100 anos de sodade, de autoria do paraibano de Cajazeiras, Aguinaldo Rolim, produzido em 2008 e lançado em 2014, e do livro Um Tal de Zé do Norte, de autoria do médico Kleber Matias. Em 2023, o valor artístico e cultural da sua obra mereceu destaque no 6º Festival de Música da Paraíba, uma realização da EPC/Rádio Tabajara, SECOM/PB e FUNESC/PB, que teve como vencedora a canção Dona Maria, de Bianca Costa, de Sapé/Pb e Jamylli Ferreira, de Patos/Pb.
Brincalhão e galanteador, o nordestino que se intitulou “do Norte” faleceu no Rio de Janeiro, em 02 de outubro de 1992. Certamente mereceu o que protagonizava para os poetas: Na porta da eternidade/Tem um letreiro que diz:/Todo poeta aqui entra/Sem ter que ir a juiz.
Artigo publicado no jornal A União em 28 de Junho de 2023
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