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Foto do escritorIêda Lima

Tia Jacira – a irmã e tia sempre presente


Fazendo minha caminhada diária hoje, carregando o peso do corpo e da alma, triste pela perda da tia Jacira Veríssimo, fui remexendo no baú das minhas memórias e revivendo cada momento que pude encontrar nesse espaço de mais de sessenta anos passados. Imagens foram surgindo, provocando um turbilhão de emoções que estavam guardadas, lá no fundo do meu subconsciente.

Revi as tantas vezes que ela, junto com minha mãe Luzia, aventurava-se em levar uma carrada de filhos, não me lembro de quantos eram na época, para curtir o parque de diversões montado no oitão da Catedral, durante as comemorações de N.S. da Conceição, dia 08 de dezembro. Que viagem gostosa, aquela que fazíamos de marinete, com mamãe e tia Jacira cuidando para que não colocássemos os braços ou cabeça fora da janela! Queríamos viajar de pé, sentir a brisa no rosto e dar xau para os passantes ou quem estava nas janelas.

Eu não suportava nem a primeira rodada do carrossel; ficava enjoada. Tia Jacira cuidava da gurizada, enquanto Luzia minha mãe me acudia, até eu melhorar um pouco. Isto no meio de uma multidão. Ninguém se perdia! Elas se apoiavam de uma maneira sem igual!

Num segundo, salto para uma imagem em que tenho permissão para acompanhá-la preparando salgadinhos – cones de massa caseira, recheados de carne, azeitona e temperos – para algum aniversário dos filhos. Ou, quando ela enchia uma forma de alumínio de arroz, colocava-a cuidadosamente em cima de uma travessa e puxava, lentamente, até surgir uma galinha, faltando o bico e os olhos, que eram feitos com um pedaço tomate e azeitona preta. Eu pedia para fazer, mas ela respondia, com carinho, que melhor não; a arte podia ruir.

Quantas vezes tive o prazer de degustar suas gostosas comidas e guloseimas que cozinhava! Algumas não. Foi quando saltei para outro momento: era ela chamando por “til” - assim era o apelido da mamãe - pela minúscula janelinha que uma delas tinha pedido para abrir, entre a área de serviço da nossa casa e da dela. A nossa ficava na Rua Tamandaré, 17; a dela, na Rua Campos Sales, cujo número eu não lembro. Entre as casas, na esquina, estava a mercearia que por longos anos ela e o marido administraram.

Mas para que tia Jacira gritava por “til”, pela janelinha? Para passar um pratinho de galinha guizada ou outras gostosuras que mamãe adorava, buscando matar o desejo da grávida, estado muito comum da mamãe, que carregou na barriga doze dos seus treze filhos.

Outra imagem: ela me levando de marinete para a Maciel Pinheiro, para fazer uma foto 3x4, acho que para matrícula na escola. Mamãe ficava com a criançada.

Vaidosa que era, quantas vezes eu tive que esperar na porta da sua casa, para que ela fosse se arrumar e colocar a colônia Alfazema, que ela tanto gostava! Só abria quando pronta!

Eu não saía de uma visita a ela, já adulta, sem um presente: quando avisava antes da visita, tinha sempre alguma caixa de chocolate ou alguma outra guloseima; quando não, ela catava qualquer coisa da sua casa, embalava com carinho e me presenteava.

Tia Jacira passou por dores intensas, ao perder três filhos antes dela partir: Djanete, Dinaldo e Djalma. A diabetes e outras comorbidades a fizeram perder a capacidade de usar a palavra para se comunicar. Mas seus olhos lacrimejavam, quando lhe dizia, em visitas, os nomes de um a um dos meus irmãos, que estariam lhe enviando um abraço e um beijo.

Nunca perdeu o espírito brincalhão, quando falávamos quem era a mais velha. Até hoje este é um segredo que as duas irmãs irão levar consigo. No registro da mamãe consta que ela nasceu em 30 de dezembro de 1929; no registro da tia Jacira, em 16 de fevereiro de 1930. Dois meses de diferença? Tia não falava mais, mas insistia que era mais velha que mamãe. Dona Luzia, por sua vez, retrucava: “Não, a mais velha sou eu!” Talvez a tia Jacira tivesse razão. Dez meses de diferença seria possível. Mas, quem pode afirmar qual registro delas está errado?

Quer saber? Isto não importa. O que sim é fundamental é que tia Jacira será sempre lembrada pela sua presença edificante, como mulher que sabia cuidar do lar e do comércio que mantinha com Cumpadre Zé, seu primo esposo, impressionando-me com as contas que sabia fazer de cabeça, caridosa, dedicada e sempre disposta a receber e ajudar as pessoas.


Viva tia Jacira! Ela brilhou na sua missão terrena e agora vai brilhar na eternidade.

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