top of page
  • Foto do escritorIêda Lima

Pegadas da onça caetana de Ariano Suassuna

Desenho armorial
Desenho armorial feito por Thaís Steinmuller Farias, natural de Campina Grande (@rabiscadopormim)

Ariano Vilar Suassuna conheceu a morte aos três anos de idade, com o assassinato do seu pai, o ex-governador da Paraíba, João Suassuna, em 09/10/1930. A vida pacata que a família desfrutava na Fazenda Acauã, no sertão paraibano, deu lugar a uma série de mudanças precoces que certamente o levaram a abrir uma janela para o mundo e cumprir seu destino de criador e filósofo de uma arte e estética eruditas, à luz da cultura popular.


Após ter passado um tempo em Taperoá/PB, com sua mãe D. Rita e irmãos, sob a proteção de tios, com quem aprendeu a ler Eça de Queiroz, Guerra Junqueiro, Euclydes da Cunha e Antero de Figueiredo, partiu para Recife, em 1938, para cursar o ginásio, em regime de internato, no Colégio Americano Batista. Sua mãe e irmãos chegaram de mudança em 1942, a tempo de assistir a solenidade de encerramento do curso, na qual ele foi orador.


Entre 1943 e 1945 Ariano cursou o equivalente ao atual ensino médio no Colégio Estadual de Pernambuco e depois no Oswaldo Cruz, quando se tornou amigo de Francisco Brennand. Em 1946, ingressou na Faculdade de Direito de Recife. Embora tenha concluído o curso, o jovem Ariano enveredou por um caminho sem volta da dramaturgia, colaborando com o Teatro do Estudante de Pernambuco (TEP). 


Deu-se início uma trajetória frenética de produção de obras, baseadas no romanceiro popular nordestino, destacando-se O Auto da Compadecida, que junto com outras joias escritas por ele se expandiu pelo mundo afora. Deixou obras inéditas, cuja publicação aguardamos com ansiedade. 


Em paralelo, Ariano criou os Dez Sonetos com Mote Alheio (1980) e os Sonetos de Albano Cervonegro (1985), utilizando técnica de sua autoria, a “iluminogravura”, uma mistura da gravura e da iluminura medieval, em forma de livro semiartesanal; pintou obras inspiradas nas suas iluminogravuras, que estão expostas no Palace Hotel de Recife; e concebeu o Alfabeto Sertanejo, inspirado nos desenhos dos ferros de marcar gado, publicado no livro-álbum Ferros do Cariri: Uma Heráldica Sertaneja, em 1974. Merecidamente, ocupou as cadeiras nº 32, 18 e 35 nas Academias Brasileira, Pernambucana e Paraibana de Letras, respectivamente.


O mês de outubro foi marcado por fatos importantes na vida do dramaturgo, romancista, ensaísta, poeta, professor e palestrante Ariano Suassuna. O assassinato político do seu pai; o início de sua carreira literária, com a publicação do poema Noturno; o nascimento de dois de seus filhos, Maria das Neves e Manuel, este que se tornou artista plástico e cenógrafo; a recepção do título de Cidadão Taperoense; o lançamento de seu primeiro romance A História do Amor de Fernando e Isaura; a criação do Movimento Armorial, uma arte brasileira erudita fundamentada na cultura popular, que fez escola; e a posse na Academia Paraibana de Letras. 


Esses eventos colocaram a morte e a vida lado a lado, do jeito como se me apresenta a onça caetana, criada por ele e que permeia toda a sua obra. Embora ela tenha sido criada como imagem representativa da morte, no imaginário de Ariano, suas cores e onipresença lembram que ela faz parte da vida. Quem viu a recente exposição Movimento Armorial - 50 anos, no CCBB, certamente será impactado, como eu fui, com a imponência dela.


Nascido em 16 de junho de 1927, no Palácio do governo da Paraíba, Ariano Suassuna produziu entusiasticamente até próximo da sua morte, em 23 de julho de 2014. Nove dias antes de transmutar-se, ele confessou, em entrevista à revista Veja, sobre um romance que estava escrevendo: “Estou acabando um romance que é o livro da minha vida. Eu exercito três gêneros literários: romance, teatro e poesia. Mas sempre fiz isso separadamente. Nessa nova obra, estou tentando fundir o dramaturgo, o romancista e o poeta num só.”


Esse paraibano-pernambucano conquistou o mundo com sua luta pela valorização da cultura autóctone, elevação da autoestima coletiva e fortalecimento de uma identidade cultural, inspirado no Cordel, nos Folguedos (Maracatu, Reisado e Cavalo Marinho) e em diversas outras formas de expressão da cultura popular nordestina, deixando as pegadas da sua onça caetana na literatura, nas artes plásticas, na dança, na música e no teatro brasileiro.


 

Artigo publicado no jornal A União em 12 de Outubro de 2022


Artigo diagramado

123 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

コメント


bottom of page