top of page
  • Foto do escritorIêda Lima

No rastro das memórias afetivas

Dia desses, minha criança saiu circulando por Campina Grande, em busca de lugares que haviam sido fotografados e arquivados no fundo do baú das suas memórias.


No São Vicente de Paula, a menina se viu com trajes de anjo, coroando a Virgem Maria, ao entardecer de um dia do mês de maio, privilégio reservado aos melhores alunos de turma. Ali também, ela se encontra com o dia em que foi alçada a soprano do “Canarinhos de Campina Grande”, pela maestrina Luiza Erundina, a paraibana arretada que foi Prefeita de São Paulo.


Conduzindo a pé dois irmãos mais novos de volta para casa, aos oito se depara com seu primeiro desafio. Chovia muito. Muita lama ao longo da trilha do Curtume dos Motta, cujo muro parecia interminável, incapaz de impedir seus pupilos de se atolarem no lamaçal.


A rua Maximiliano Machado, em José Pinheiro, atraiu a menina como um poderoso imã. Ali ela havia nascido, para onde voltaria a morar, por duas vezes, em casas distintas; uma delas tinha um jardim, onde um jasmim da índia a embalava com seu perfume, , na chegada do crepúsculo, Dali, ela desceu a Campos Sales, passando pelo abrigo, de onde algumas vezes tomara uma marinete, na companhia da sua mãe ou tia materna, rumo à Maciel Pinheiro.


Viu-se no terraço da casa da sua tia, assustada com a cara feia da laurça (La Ursa) do Carnaval; ou simplesmente pulando corda, amarelinha ou girando bambolê com suas primas, na calçada.

Alguns passos à esquerda e lá estava ela na esquina da Campos Sales com a Tamandaré; vira-se à esquerda e vê sua casa. Visualiza a lagoa, que já não existe, onde tantas vezes sua avó entrava de roupa e tudo, atrás de pegar os moleques que a importunavam. Quantas lembranças boas, e ruins também, vieram à tona naquele momento de viagem no tempo!


Chega a vez da Rua Quebra Quilos, onde sua mãe cresceu, namorou e se casou. Viu-se nas madrugadas de crises de coqueluche, equilibrando-se no muro apoiada pelas mãos do seu pai, como se fora artista de circo, buscando ar fresco para aliviar a temida tosse; ou, nas noites de Reveillon, na casa de seu avô materno, num sobrado bem ali em frente à Maternidade Elpídio de Almeida, momento em que também se comemorava o aniversário de sua mãe.


Após se ver em matinê do Cine Capitólio, sente um aperto no coração ao passar pelos Correios, local de trabalho do seu pai. Respira fundo e segue com a saudade no peito, em busca do Diocesano Pio XI, onde escutou do professor de Português que um dia seria escritora. Cadê?


Decepcionada com o sumiço daquele colégio onde havia consolidado sua formação de base, buscando consolar-se vai em busca do pátio da Catedral. Ali, sente-se sufocada no meio da criançada que buscava o cavalinho mais simpático do carrossel, em dia da festa da padroeira.

Dali, dava pra ver a casa de seus avós paternos, que ficavam bem em frente da igreja e de onde se podia acompanhar a procissão do senhor morto, em sexta-feira da paixão. Sentia por ele!


As ruas estavam lá; as casas que haviam ficado registradas na memória da criança, não mais. A lagoa deu lugar ao canal. Não há mais meninos brincando na rua, soltando pipas, jogando bolas de gude, assando castanhas de caju ou matando tanajuras para matar a fome. A tia já não está mais; apenas a fachada da sua velha casa em ruínas. A Tamandaré ganhou paralelepípedos.  Melhor para a criançada dali que ainda vai a pé para suas escolas.


A buzina impaciente do motorista que corre na vida, desperta a criança do seu sonho.


De volta pra casa, a menina se recolheu ao se dar conta da ação do tempo naquelas referências geográficas e afetivas e tomar consciência de que sua mãe não se emocionara com aquela aventura, pois sua memória dormia um sono profundo e resistia até a estímulos afetivos.


O jeito foi se conformar com a realidade, apreciar o que o tempo se encarregou de modificar e valorizar o mais importante de Campina: sua gente, suas flores, seu açude velho, sua História.


 

Crônica publicada no jornal A União em 23 de Março de 2024



134 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comentários


bottom of page