A professora, poeta, escritora, pesquisadora, dramaturga e cordelista Maria de Lourdes Nunes Ramalho foi comparada por ícones da Península Ibérica ao pai do teatro português e um dos expoentes da literatura renascentista, o poeta e dramaturgo Gil Vicente, segundo a professora Joseilda Diniz, curadora do Museu de Arte Popular da Paraíba (MAPP).
Primogênita do casal José Nunes de Figueiredo (1888-1968) e Ana Brito de Figueiredo (1901-1984), Lourdinha nasceu em 23/08/1920, em Ouro Branco, então distrito de Jardim de Seridó/RN, a 24 km de Santa Luzia, na Paraíba, para onde foi levada pelo pai, junto com a família, em 1935. Era neta, bisneta e trineta de cordelistas. Sua avó paterna, Luisa, era filha do poeta, violeiro e repentista Ugolino Nunes da Costa, que fugiu de casa aos 18 anos para ser cantador. Sua mãe era apaixonada por teatro e literatura e uma empreendedora progressista.
Seus ascendentes vieram de Pernambuco e se instalaram no eixo paraibano Teixeira-Patos-Santa Luzia, esta na fronteira do Rio Grande do Norte, onde Lourdes foi criada junto com mais doze irmãos: Rosalva, Ivete, Ivonilde, José Nunes (falecido quando criança), Teresa, Hindenburgo, Maria Aparecida, Maria Lúcia, Maria Semírames, Maria Elizabeth, Péricles e Jesus. Ali, foi professora auxiliar no colégio criado por sua mãe e atuou em grupos cênicos.
Ao casar-se com o juiz Luiz Silvio Ramalho, em 1943, a pedido dele abandonou a carreira de atriz e passou a acompanhar o marido, com quem teve os filhos Sílvia, José (Zeca), Luiz Júnior, George e Eduardo Sérgio, que lhes deram dezoito netos. Mas seguiu carregando o teatro na alma, paixão que se manifestara desde os 10 anos de idade, influenciada pela mãe.
Em 1957 Lourdes Ramalho veio com a família para Campina Grande, onde construiu uma trajetória digna da justa concessão dos títulos de cidadã campinense e paraibana.
Após passar uma temporada no Rio de Janeiro (1964-66), onde cursou aulas de teatro n’O Tablado e participou da Sociedade Brasileira da Educação através da Arte (SOBREART), Lourdes retornou a Campina Grande, criou a sessão Paraíba da Sobreart e, em 1973, assumiu a FACMA, ampliando e consolidando sua atuação como pedagoga da arte teatral e dramaturga.
Consciente das suas raízes, ela soube explorar a herança cultural que trazia nas células e viveu para o que nasceu. Como dramaturga, “transformou as fantasmagorias em protagonistas de um teatro novo, fazendo do seu teatro uma arte viva”, escreveu o dramaturgo, cenógrafo, figurinista e músico espanhol Moncho Rodriguez, que foi seu parceiro.
Escreveu mais de cem textos teatrais, tendo passado por três fases, sendo a primeira a do teatro didático, de 1957 a 1970; a segunda, do teatro como espelho da cultura nordestina, tendo a mulher como figura central, de 1970 a 1989; e a terceira, a partir de 1990, onde a dramaturga fundiu com êxito a literatura de cordel com as tradições ibéricas.
Em paralelo, produziu também literatura infantil, “revisitando personagens, fábulas e procedimentos estéticos da literatura popular em verso e de contos de fadas, além de provérbios e danças dramáticas, misturando versos e ritmos, criando um clima de magia, brincadeira e festa, próprio da cultura popular”, pelas lentes de sua biógrafa Valéria Andrade.
Como poeta, publicou diversos poemas em jornais campinenses e lançou “O menino e a gota – e outros poemas”, em 2007, e “Flor de Cacto – Viagem ao Ignoto”, em 2012. Antes disso havia empreendido uma pesquisa genealógica, que resultou no livro “Raízes ibéricas, mouras e judaicas do Nordeste”, 2002, onde ela também relata a saga da sua família. Dentre as doze peças premiadas destacam-se “As velhas”, “A feira” e “A eleição”.
O Centro Cultural de Campina Grande foi batizado com seu nome, em 2005; e a Vila do Artesão, da mesma cidade, ganhou o rosto de Lourdes grafitado pelo artista Thiago Vinicius, além da sua mão gravada na calçada, reconhecimento do Projeto Mãos na Vila, em 2018. No ano seguinte, 07/09/2019, Lourdes Ramalho iria fazer parceria com Ariano Suassuna, no céu.
Arguta, satírica, lírica, crítica, altiva e revolucionária, a poeta e dramaturga Lourdes Ramalho pode sim ser considerada a Gil Vicente, de saia, que foi tudo isto, no Século XVI, dando a forma de textos teatrais aos costumes, tradições e oralidade do seu tempo e meio.
Artigo publicado no jornal A União em 09 de Agosto de 2023
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