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  • Foto do escritorIêda Lima

Dona Luzia e a bisneta Lorena

Ao ocupar meu lugar na aeronave que me levaria de volta da Paraíba para Brasília, pus-me a pensar em uma cena vivenciada noite passada, que insiste em voltar, pelo impacto emocional que ela me provocou.


Observava eu minha mãe, Dona Luzia, nos seus 93 anos de vida, pensativa e monossilábica, em mais uma tarde de mau humor e medo, pela insegurança própria de quem já não tem memória para olhar pelo retrovisor e se orgulhar do que está deixando de presente neste mundo: os tantos filhos, netos e bisnetos que carregam seu perfil executivo e sua capacidade de tirar sangue de tapioca, para alcançar seus sonhos.


Eis que chega a bisneta Lorena, de cinco anos, carregando um ursinho cor de rosa, descabelada, recém desperta de uma soneca na cadeira do carro do pai, que acabara de chegar de João Pessoa para me buscar de volta, aproxima-se da bisa, sorri e lhe dá um beijo na face.


Dona Luzia abre um sorriso, seus olhos brilham, pergunta o nome da criança que ela não reconhece e diz:


- Você é muito linda! Como é seu nome?

- Lorena

- O que ela disse, minha filha?


O pai pede para ela repetir. Sonolenta ainda, ela obedece e dita seu nome completo


Dona Luzia sorri e diz:

- Chegue aqui pra lhe dar um abraço.

Lorena se aproxima timidamente da bisa e se deixa abraçar.


Corri, peguei meu celular e ainda consegui registrar aquele milagre da transfiguração daquela alma cansada da rotina, já sem condição de administrar sua vida e da sua família.


Sorridente, Dona Luzia chama seu neto, mesmo não o reconhecendo, pega na mão dele e busca palavras já perdidas do seu vocabulário cada vez mais restrito, para traduzir o que sentia: "é tão bonito ter filhos! "


Meu corpo tremia, numa mescla de de tristeza, alegria e orgulho.


Tristeza, por ver que aquela mulher, guerreira paraibana, nascida na Serra da Capoaba, onde Potiguaras resistiram bravamente contra os colonizadores, mãe de treze filhos, perdia gradualmente o poder da palavra, as asas do espírito.


Alegria, por ver que o sorriso carinhoso de Lorena foi capaz de resgatar a essência daquela mulher: o amor de mãe, sempre presente.


Orgulho, por pertencer a uma família que soube construir uma complexa Rede de Apoio à nossa matriarca, para oferecer, todos os dias da sua vida, o suporte financeiro, material e emocional que ela precisa e merece.


Uma verdadeira empresa, organizada em núcleos de gestão do orçamento, da saúde, do apoio logístico com cuidadoras, da segurança e manutenção da casa, onde ela mora há mais de cinquenta anos.


A Agenda Carinho pra Mamãe é referência de amor e organização.

Por meio dela, parte de seus filhos a acompanham, em finais de semana; e outra parte, que não pode por razões de saúde e distância, assegura financeiramente a folguista, em caso de janelas na agenda.


Orgulho por saber que as diferenças de percepção e entendimento do que é melhor para Dona Luzia são, na maioria das vezes, resolvidas por consenso entre os irmãos.

Quando necessário, a gente lança mão do que há de mais valioso numa democracia: o voto, seguido de respeito e cumprimento das decisões tomadas pela maioria.


Que venham mais bisnetos, para aquecer o coração da bisa Luzia!

Ela dará um sorriso e um abraço em troca, assim como fez com Lorena.

Suas almas carregarão essa lembrança para a eternidade!



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