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  • Foto do escritorIêda Lima

Barra Branca, o grande e destemido caçador

O título deste artigo foi tomado de empréstimo do ex-vereador e radialista Ary Rodrigues, paraibano de Patos adotado por Campina Grande, que assim definia meu pai. Na companhia dele e de outros apaixonados pela caça desbravavam os sertões nordestinos e nortistas em busca de “caça grossa” como costumavam nominar caçadas desportivas que exigiam muita paciência nas longas esperas e coragem para enfrentar adversidades.


Um artigo de Ary publicado em seis de fevereiro de 1983, em um jornal campinense que não consegui identificar, relata com saudosa lembrança suas aventuras com Otávio, mais conhecido como “Barra Branca”, falecido em 10 de janeiro desse mesmo ano. Eles vagavam pela região centro-sul da Bahia, visitando as lagoas da região, abatendo jacus, caititus e veados. Porém, havia informação de que no Vale de Yuyu (Iuiu), antes habitada pelos índios Caipós expulsos pelos bandeirantes, uma grande onça pintada perambulava por ali, abatendo reses de distintas propriedades, deixando rastros mata adentro, sem se deixar abater. A dupla abraçou a ideia de seguir as pegadas da onça e decidiu empuleirar-se em duas árvores, às margens da “Lagoa de Tapuã”, à espreita do felino. Em seu lugar surgiu um cervo, que foi abatido por Otávio. Com a chegada do crepúsculo, já prestes a tomar o caminho de volta para o rancho, a dita cuja resolveu se apresentar, sem se deixar ser vista. Conta Ary: “Não sei se revoltada com nossa presença na lagoa ou se era por causa do veado que tiramos do seu menu, mas o fato é que seu esturro deixou-nos arrepiados. Não a vimos, apenas ouvimos seu “miado” ensurdecedor, exatamente na direção do nosso “fusca”, mesmo caminho que tínhamos que percorrer levando o veado. Havia um restinho de luz...a noite escura nos alcançou ainda empoleirados...a onça não veio...resolvemos desistir da espera e voltar ao carro...Otávio com o veado às costas e eu abrindo caminho, espingarda pronta para o tiro.”


Essa rápida imagem do paraibano de Olivedos, Otávio Adelino, descrita por um dos tantos amigos que meu pai fizera em sua curta vida, 16/12/1923 a 10/01/1983, levou-me a mexer no baú de memórias e resgatar alguns dos tantos bons momentos vividos com ele.


Como caçador e pescador, Barra Branca fazia desse esporte a fonte de proteína para sua família, nos anos cinquenta e inicio dos sessenta do Século XX. As crianças, entre elas eu, apenas viam a chegada das codornas, rolinhas, codornizes, inhambus ou lambus (codornizes, pés roxo, pé encarnado, espanta boiada), e também de tejus, jacarés, arribaçãs e jaçanãs como grandes conquistas do nosso pai, alimentos de gente rica e motivo de valiosas descobertas.


Os companheiros de caçada e pescaria de Barra Branca foram, além de Ary Rodrigues, os seus irmãos Oscar, Otaviano e Otacílio; o empresário José Cabral; os serralheiros José e Deda Damião; os comerciantes Gil e Nelson Suassuna; o radialista e compositor Rosil Cavalcanti; o industrial José Miguel de Mendonça; o marceneiro Wandick Vieira; Henrique, o português e José Rufino, o cozinheiro das turmas de caçada de arremedo, caçada grossa e pescaria. O único vivo é meu tio Oscar Adelino, quem me deu valioso depoimento. Meus irmãos Lúcio, Leudo e Lucas Adelino estiveram em ao menos uma dessas aventuras com papai.


Após a proibição da caça de animais silvestres, a partir de 1967, Barra Branca e amigos se dedicaram à pesca, no icônico Açude de Boqueirão que, além de matar a sede da população de Campina Grande e outras dezenove cidades do agreste paraibano, assegurava nossa “mistura” com os piaus dourados, traíras e pescadas, que Otávio trazia nos finais de semana.


Barra Branca foi muito mais que um exímio pescador e caçador. Como pai, soube aproveitar as poucas horas em casa para nos entreter ao redor da mesa com suas estórias; ajudar-nos na finalização de trabalhos manuais e outras tarefas do Instituto São Vicente de Paula; e transmitir, na prática, noções de ética, disciplina, tolerância e respeito ao outro. Como profissional, conquistou grande respeito junto aos seus colegas dos Correios e Telégrafos, onde começou como carteiro. Antes, como marchante na Feira de Campina Grande, vendia carne de boi intermediada por seu pai, o pombalense Francisco Adelino, o que nos assegurava o pão de cada dia e um saboroso cozido de osso buco, feito por nossa mãe Luzia, aos domingos.


Este ano será dedicado ao centenário de Barra Branca, Otávio Adelino de Lima (16/12/23), que nos deixou na eterna saudade, há exatos 40 anos, em 10 de janeiro de 1983.

 

Artigo publicado no jornal A União em 11 de janeiro de 2023


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