OTÁVIO ADELINO DE LIMA nasceu no cariri paraibano, em 16 de dezembro de 1923, a sessenta quilômetros de Campina Grande, à direita da BR-230, sentido sertão. Em sua carteira de identidade, emitida em 19 de outubro de 1946, consta seu nascimento no município de Ibiapinópolis, que em 1948 passou a denominar-se Soledade, composto ainda por dois distritos, Olivedos e Seridó. Em 28/12/1961 Olivedos foi elevado à categoria de município.
Belíssimas rochas impedem de ver que estamos chegando à cidade de Olivedos, com cerca de quatro mil habitantes. Pelo caminho, a vegetação típica da caatinga: mandacarus, xique-xiques e seriemas, descansando à sombra de umbuzeiros.
A casa, onde Otávio e os irmãos Otaviano, Hozana, Otacílio, Maria Alice e Julita nasceram, continua preservada em sua imponência de moradia de comerciante de algodão. Este era seu tio paterno, José Adelino de Melo, na Fazenda Campos, onde seu pai era administrador. Dotada de paredes largas, pé direito alto, piso de cimento, uma ampla cozinha com fogões a lenha, ela guarda silenciosa, a história de nossos antepassados.
O primo segundo de Otávio, Lídio Meira, ex-prefeito de Olivedos, é o atual dono da fazenda, dedicando-se agora a explorar outra riqueza daquelas terras, a bentonita e o basalto.
No único cartório da cidade encontram-se os apontamentos originais feitos em fevereiro de 1925, sobre o nascimento de Otávio, ocorrido em 16 de dezembro de 1923.
Em um livro amarelado, que revela as marcas do tempo, constam os nomes dos seus pais, Francisco Adelino Irmão (26/10/1896 – 30/03/1980), nascido na zona rural de Pombal/PB, e Alice Maria de Lima (20/05/1900 – 30/11/1995), nascida em São Francisco/PB; dos seus avós paternos, Adelino Cardozo de Mello e Carolina Maria da Soledade; e dos seus avós maternos, Salustiano Januário Pereira e Maria Clementina de Lima.
A região de Olivedos era habitada pelos índios Tapuias Tarairús. Segundo o site da prefeitura, há registros de pedras pintadas por essa tribo, há cerca de dois séculos, como a Pedra do Índio. Pesquisas arqueológicas comprovaram a habilidade dos Tarairiús em cerâmica complexa e o fino material lítico (rochas e minerais). Consta que os Tapuias eram mais altos e mais calados que os Tupis. A resistência dos Tarairús à colonização durou até final do século XVII, quando ainda eram considerados selvagens, indolentes e hostis. Capazes de fazer trocas com os holandeses, especialistas dizem que o uso do cão de caça foi “herança” holandesa.
A aliança Tarairús-Holandeses fazia parte da estratégia para manter o controle sobre o território, durante o período da Dominação Holandesa no Nordeste (1630-1654). Essa informação foi encontrada em registros do alemão Jacob Rabbi, originário de Waldeck (Hesse, Alemanha), que acompanhou o Conde Maurício de Nassau. Por ser culto e poliglota, pois falava alemão, holandês, português, tupi e tarairiú, Jacob foi escolhido como um representante diplomático junto aos nativos e intérprete dos Tapuias.
Os Tarairiús, assim como os Cariris, reagiram de todas as formas possíveis ao controle do colonizador, por meio de violentas guerras; mas, ao final, os que sobraram do extermínio, se renderam e se mesclaram com os holandeses, depois portugueses, gerando uma população acaboclada. As memórias desse passado são muito contraditórias; ainda assim permitem ter uma visão da raiz cultural de Otávio, explicando parte do seu perfil.
Otávio era um sujeito cordato e tinha hábitos e atividades de lazer que lembra algo dos holandeses: disciplinado, pontual, exigia silêncio à mesa, por considerar o ato da refeição algo sagrado, pelo que significava de trabalho por trás dela; não era chegado a beijos e abraços, embora muito dedicado à família; definia regras claras que todos tinham que seguir; caçava com cachorros de raça; respeitava as tradições.
Otávio veio com a família para Campina Grande/PB, aos oito anos de idade, em 1931, para morar inicialmente no sítio Lagoa dos Canários, ali onde se situa o Complexo Esportivo Plínio Lemos, o antigo estádio municipal, onde nasceram os irmãos Oscar e Iracema; e depois na Rua Campos Sales, onde nasceu Iracy, a irmã mais nova. Ambos, no bairro José Pinheiro.
Fez o curso primário no tradicional Externato São Vicente, às margens do açude velho.
Em 31 de outubro de 1946 casou-se com Luzia de Oliveira Lima, com quem teve 12 filhos: Iêda (1948), Iara (1949), Lúcio (1951), Ilma (1953), Leudo (1955), Levi (1956), Lucas (1958), Iris (1961), Laércio (1963), Lívio (1966), Leidson (1967) e Ilce (1968). Vinte anos depois, mais precisamente em 1987, a viúva Luzia adotou nosso irmão Klebernilson (Kléber).
Embora tenha parado de estudar, por um tempo, Otávio concluiu o Curso Comercial Básico no Colégio Alfredo Dantas, aos 31 anos de idade, no ano de 1954.
Para sustentar a família, trabalhou na Feira de Campina Grande, como marchante, vendendo carne intermediada por seu pai, Francisquinho; foi prestamista (vendedor de utensílios domésticos de porta em porta, com pagamento em prestações); revendeu guloseimas, em uma fiteiro na calçada da rua Cardoso Vieira, esquina com a Maciel Pinheiro sentido Barão do Abiaí; e fez as vezes de administrador, na Sede do Clube dos Caçadores, na rua Venâncio Neiva, no mesmo prédio onde funcionava o Jornal da Paraíba.
Sobre este bico noturno, conta-se que uma faxineira de nome Marina, passara ao Otávio uma lista de produtos de higiene necessários para a limpeza do local. Luzia, esposa de Otávio, teria encontrado esse bilhete no bolso da calça dele. Não deu outra: ela foi tomada pelo ciúme, um sentimento que era recíproco. Otávio passou a mandar os filhos Leudo e Levi para fazer o serviço. O ciúme era tal que o samba-canção Marina Morena, de autoria de Dorival Caymmi, era proibido de ser tocado ou cantado perto de Luzia. Risos.
Em 31 de outubro de 1955, Otávio tomou posse no Departamento de Correios e Telégrafos do Ministério de Viação e Obras Públicas, no cargo de Carteiro, posto conquistado por concurso público. Nessa data, ele comemorava os nove anos de casamento com Luzia.
Em 15 de julho de 1975, Otávio assinou contrato com a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, empresa pública criada em março de 1969, que substituiu o Departamento de Correios e Telégrafos, assumindo o cargo de Monitor Fiscal, em regime de 48 horas semanais, regido pela CLT. A partir daí ele trabalhava oito horas por dia, até sua aposentadoria.
Caçar e pescar eram seus hobbies, por meio do qual fez grandes amigos, que o apelidaram de Barra Branca. Seus companheiros de caçada e pescaria foram Ary Rodrigues, os seus irmãos Oscar, Otaviano e Otacílio; o empresário José Cabral; os serralheiros José e Deda Damião; os comerciantes Gil e Nelson Suassuna; o radialista e compositor Rosil Cavalcanti; o industrial José Miguel de Mendonça; o marceneiro Wandick Vieira; Henrique, o português; e José Rufino, o cozinheiro das turmas de caçada de arremedo, caçada grossa e pescaria. O único vivo dessa turma toda é seu irmão, Oscar Adelino, quem me deu valioso depoimento. Meus irmãos Lúcio, Leudo e Lucas Adelino estiveram em ao menos uma dessas aventuras com papai.
Na companhia desses apaixonados pela caça, desbravavam os sertões nordestinos e nortistas em busca de “caça grossa” como costumavam nominar caçadas desportivas que exigiam muita paciência nas longas esperas e coragem para enfrentar adversidades.
Um artigo de um dos seus amigos, Ary Rodrigues - paraibano de Patos, mas adotado por Campina Grande - publicado em seis de fevereiro de 1983, em um jornal campinense que não consegui identificar, relata com saudosa lembrança suas aventuras com Otávio, que tinha falecido a pouco menos de um mês, em 10 de janeiro de 1983.
Eles vagavam pela região centro-sul da Bahia, visitando as lagoas da região, abatendo jacus, caititus e veados. Porém, havia informação de que no Vale de Yuyu (Iuiu), antes habitada pelos índios Caiapós, expulsos pelos bandeirantes, uma grande onça pintada perambulava por ali, abatendo reses de distintas propriedades, deixando rastros mata adentro, sem se deixar abater. A dupla abraçou a ideia de seguir as pegadas da onça e decidiu empuleirar-se em duas árvores, às margens da “Lagoa de Tapuã”, à espreita do felino. Em seu lugar surgiu um cervo, que foi abatido por Otávio. Com a chegada do crepúsculo, já prestes a tomar o caminho de volta para o rancho, a dita cuja resolveu se apresentar, sem se deixar ser vista.
Conta Ary: “Não sei se revoltada com nossa presença na lagoa ou se era por causa do veado que tiramos do seu menu, mas o fato é que seu esturro deixou-nos arrepiados. Não a vimos, apenas ouvimos seu “miado” ensurdecedor, exatamente na direção do nosso “fusca”, mesmo caminho que tínhamos que percorrer levando o veado. Havia um restinho de luz...a noite escura nos alcançou ainda empoleirados...a onça não veio...resolvemos desistir da espera e voltar ao carro...Otávio com o veado às costas e eu abrindo caminho, espingarda pronta para o tiro.”
Essa rápida imagem de Otávio Adelino, descrita por um dos tantos amigos que ele fizera em sua curta vida, 16/12/1923 a 10/01/1983, levou-me a mexer no baú de memórias e resgatar alguns dos tantos bons momentos vividos com ele.
Como caçador e pescador, Barra Branca fazia desse esporte a fonte de proteína para sua família, nos anos cinquenta e inicio dos sessenta do Século XX. As crianças, entre elas eu, apenas viam a chegada das codornas, rolinhas, codornizes, inhambus ou lambus (codornizes, pés roxo, pé encarnado, espanta boiada), e também de tejus, jacarés, arribaçãs e jaçanãs como grandes conquistas do nosso pai, alimentos de gente rica e motivo de valiosas descobertas.
Após a proibição da caça de animais silvestres, a partir de 1967, Barra Branca e amigos se dedicaram à pesca, no icônico Açude de Boqueirão que, além de matar a sede da população de Campina Grande e outras dezenove cidades do agreste paraibano, assegurava nossa “mistura” com os piaus dourados, traíras e pescadas, que Otávio pescava nos finais de semana.
Barra Branca foi muito mais que um exímio pescador e caçador.
Como pai, soube aproveitar as poucas horas em casa para nos entreter ao redor da mesa com suas estórias; ajudar-nos na finalização de trabalhos manuais e outras tarefas do Instituto São Vicente de Paula; e transmitir, na prática, noções de ética, disciplina, tolerância e respeito ao outro. Como profissional, conquistou grande respeito junto aos seus colegas dos Correios e Telégrafos, onde começou como carteiro, incluindo Roberci, que veio a ser seu consogro.
Este ano está sendo dedicado ao centenário de Barra Branca, Otávio Adelino de Lima. A primeira etapa da comemoração aconteceu no dia 04 de março, com uma excursão da família à Fazenda Campos, onde fomos recebidos carinhosamente pelo casal Lídio e Nieja Meira e sua simpática família. Dentre os que participaram da excursão destacaram-se duas nonagenárias: Luzia Lima, o esteio de Otávio; e Julita Adelino de Lima, última irmã dele que nasceu em Olivedos. A segunda etapa está programada para o dia 16 de dezembro de 2023.
Sonho com a presença de filhos, netos, bisnetos, familiares outros e amigos, para que Barra Branca receba a homenagem que merece. Viva Otávio, neste Dia dos Pais, 13/08/2023!
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