Lendo a edição do domingo 23/10/2022, do jornal A União, deparei-me com um quase grito de socorro do editor Luiz Carlos Sousa que, como muitos, reconhecem a grandiosidade da obra de um dos maiores poetas da língua portuguesa. Mostrava-se indignado pelo abandono do Memorial Augusto dos Anjos, em Sapé, que em meio a uma área rural, produtora de abacaxi e cana de açúcar, apresentava sinais de deterioração, a começar pelo estado das bengalas que sinalizam o caminho até a casa, onde Augusto teria nascido e sedia o memorial.
Essa matéria nos convida a perguntar o que a Paraíba tem feito para preservar a memória desse paraibano de Sapé, Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos, nascido no Engenho de Pau D’Arco, em 20 de abril de 1884, com o dom da criação poética, cuja inspiração despertava com a dor, vindo em versos para o papel, só depois de forjados na sua mente.
Horácio de Almeida, que estudou o conjunto homem e obra, Augusto e Eu, disse em palestra proferida em 1960, na Federação das Academias de Letras do Brasil, que “os versos espoucavam no momento da inspiração, mas quem os lê e os medita tem a impressão de que foram cavoucados na rocha. Escrevia numa linguagem difícil porque era esse o seu estilo, a sua personalidade psicológica. No entanto, essa linguagem, à primeira vista incompatível com a poesia, entrava disciplinada em seus versos, como em compasso de música.”
Foi essa dualidade entre a hermética e dolorosa linguagem e a musicalidade poética de seus versos que constituíram a originalidade de Augusto, com seu estilo literário único.
José Nêumanne Pinto, em seu discurso de posse na Cadeira nº 01 da Academia Paraibana de Letras (APL), que tem Augusto dos Anjos como patrono, também se referiu aos críticos que não sabem dissociar o homem da obra, quando disse que “esta identificação do maior poeta paraibano de todos os tempos – e um dos três maiores de meu panteão poético, ao lado de Castro Alves e Manuel Bandeira – com o fúnebre e o atro me parece mais uma destas confusões que se costuma fazer entre o autor e sua obra.” A Cadeira nº 01 da APL teve como fundador o jurista e ensaísta José Flósculo da Nóbrega, como primeiro sucessor o seu biógrafo Humberto Nóbrega, sendo agora ocupada pelo jornalista e escritor Nêumanne.
Filho do promotor público pernambucano, Alexandre Rodrigues dos Anjos Filho e de Córdula de Carvalho, Augusto recebeu a formação fundamental do seu pai até estar pronto para o rigoroso exame do Lyceu Paraibano de João Pessoa/PB, colégio no qual viria a ser professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, entre 1908 e 1910, após formar-se pela Faculdade de Direito de Recife, em 1907. Em 1910, casou-se com Ester Fialho e mudou-se para o Rio de Janeiro, onde continuou a exercer a profissão de docente no Ginásio Nacional.
Aos sete anos de idade já escrevia poemas; em 1900 publicou o primeiro, Saudade. Em 1912, lançou sua obra prima EU que, embora único livro publicado, continha 56 poemas que mudaram a história da literatura brasileira e mundial, tendo passado por mais de 40 reedições. A terceira edição, publicada em 1928, Eu e outras poesias, organizada pelo seu amigo Órris Soares, incluiu mais 46 poemas, explodindo com a venda de 8.500 exemplares, em dois meses.
O intrigante é que sua obra é marcada pela angústia, pessimismo, ceticismo, escárnio, egoismo e morte, o que o levou a ser conhecido como o Poeta da Morte ou Doutor Tristeza. Houve quem lhe atribuísse a pecha de louco. Contrapondo-se a esse julgamento, Horácio de Almeida arrematou que “Juízo é coisa que todos julgam ter, mas da mediocridade ajuizada que enche de presença os quadros humanos nunca ninguém viu sair obra duradoura.”
Augusto dos Anjos faleceu aos 12 de novembro de 1914, de pneumonia dupla, em Leolpodina/MG, cinco meses após mudar-se do Rio para lá, para exercer o cargo de diretor do Grupo Escolar Ribeiro Junqueira; seus restos mortais permanecem naquela cidade mineira, por decisão registrada em cartório pelos seus filhos Glória e Guilherme, a pedido da mãe.
Mais que imputar a esse gênio da poesia a loucura ou pregação da morte e da tristeza devemos a Augusto e descendentes um pedido de desculpas, pela grosseria com que o então governador da Paraíba, João Machado, o tratou, quando pediu apoio para editar seus versos.
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