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Foto do escritorIêda Lima

Anayde Beiriz na corda bamba

Quando decidi incluir Anayde da Costa Beiriz entre as personalidades que escolhi apontar uma lupa sobre suas vidas e obras, para registrá-las em pouco mais de setecentas palavras, as únicas referências sobre essa paraibana de João Pessoa, nascida em 18/02/1905, a identificava como a amante do assassino de João Pessoa, o advogado João Duarte Dantas. Até que a escritora Valeska Asfora iluminou o caminho, revelando os resultados de sua obstinada busca, na obra “Anayde Beiriz, a última confidência”, pela Editora A União, em 2022.


Filha de José da Costa Beiriz, tipógrafo do Jornal A União, e Maria Augusta de Azevedo Beiriz, ela conclui o primário (Fundamental I) aos 14 anos, forma-se como professora na Escola Normal de João Pessoa, em 1922, enquanto finaliza datilografia, pela Escola Remington. Logo passa a dar aulas na Escola de Pescadores Presidente Epitácio Pessoa, na Colônia Z2 , na vila de Cabedelo, de 1922 a 1930, chegando a compor a Diretoria da Colônia, como Secretária.


A cada segunda-feira ela se deslocava de trem até Cabedelo; da estação, seguia viagem em bonde de tração animal, até a Praia de Ponta de Matos, onde se hospedava na casa de uma tia. Durante o dia, dava aula aos filhos dos pescadores e à noite alfabetizava os adultos.


Em 1924, Anayde passou a fazer parte, como única mulher, do grupo “Os Novos”, formado por poetas e intelectuais paraibanos, que mantinha contatos frequentes com seus pares do Pará, do Rio de Janeiro e Recife. Seu estilo incomum, erótico, irreverente, de inspiração modernista causava reações na tradicional e conservadora Parahyba. Leitora de jornais e revistas, expressava-se e comportava-se à luz das novas tendências que ali se manifestavam.


Irreverente e ousada, escolhia vestir-se, maquiar-se e adotar corte de cabelo no estilo usado por mulheres artistas ou por “mulheres públicas”. Independente, caminhava sozinha pelas ruas da cidade; flertava com jovens poetas do seu convívio, dentre eles o jornalista pernambucano Austro Costa, um dos principais representantes do Modernismo naquele estado. Apelidada pelos membros do Os Novos de Pantera dos Olhos Dormentes, era altiva.


Escrever para Anayde Beiriz era uma necessidade. “Quando não escrevo, meu universo se reduz, sinto-me na prisão. Perco minha chama, minhas cores”. A partir de 1925 passou a publicar seus contos e poemas, em revistas e periódicos de outros estados, que se intensificou no ano de 1928. Os seus contos e poemas foram publicados em Recife/PE: A Pilhéria, Revista da Cidade, O Jornal de Recife; e no Rio de Janeiro/RJ: Beira Mar e Revista da Semana. Segundo Valeska Asfora, não foram encontrados registros de que suas obras tenham sido publicadas na revista Era Nova, no O Jornal ou no A União, veículos da Paraíba. Foram encontradas poesias e crônicas inéditas, sem data, no acervo conservado pela sobrinha Ialmita Beiriz.


Ao ser indagada publicamente sobre autores preferidos, por meio da revista Era Nova, que mantinha publicação periódica de “Confidências”, na qual intelectuais, artistas, poetas, jornalistas respondiam a um questionário padrão, Anayde apresentou uma lista de escritores e poetas dos mais diversos estilos, que levou a escritora Valéria Rezende a se perguntar: “Como eram “preferidos”, pela mesma leitora, os românticos, os parnasianos e os recentes modernistas?” Não se sabe. Porém, pode-se inferir que o jornalista, poeta e contista, paulista de Santos, Vicente de Carvalho (1866 – 1924), exerceu grande influência na lírica Anaydiana.


Em 1924, Anayde Beiriz iniciou um romance, quase platônico, com Heriberto Paiva, que se limitou a uma troca de cartas, em cujas entrelinhas se podia captar as sombras da luta entre o velho e o novo, nas relações sociais da década de 1920. Desiludida, desistiu. Em 1928, ela conheceu o advogado João Duarte Dantas, 17 anos mais velho. Foi então que sua vida foi engolfada por um turbilhão de conflitos políticos, entranhados de violência, nos quais adversários se tratavam como inimigos, apagando aos poucos sua chama, suas cores.


O desfecho trágico desses conflitos, com o assassinato de João Pessoa por João Dantas, em 26/07/1930, em Recife, impulsionou a chamada Revolução de 1930, iniciada em 03 de outubro do mesmo ano. Três dias depois, 06/10/1930, João Dantas e o cunhado, que haviam sido presos em flagrante no momento do crime, foram encontrados mortos. Anayde, que já se encontrava em Recife, e visitara João Dantas na prisão, após passar por um penoso processo de rejeição e perseguição da imprensa, cometeu suicídio, vindo falecer em 22 de outubro de 1930.


Assim, Anayde atravessou sua curta vida equilibrando-se numa corda bamba, literária, emocional e social, nas palavras da idealizadora do Mulherio das Letras, Maria Valéria Rezende.


 

Artigo publicado no jornal A União em 04 de Outubro de 2023


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