Autor – José Mário da Silva / APL – ALCG
Prosseguindo em sua pujante trajetória nas cenas e cenários da paisagem cultural e literária da cidade de Campina Grande, a Academia de Letras de Campina Grande, sob os auspícios da operosa gestão do escritor e jurista Thélio Queiroz, promoveu, no último dia três do mês em curso, uma bela e celebratória sessão, na qual tomou posse no empíreo campinense das letras, a escritora Iêda Lima, passando a ocupar a Cadeira de Número Trinta e Quatro, patronada e fundada pela notável figura de Paulo Pontes, cuja inteligência criadora espraiou-se por numerosos e multiplicadas áreas de atuação: do jornalismo à radiofonia, passando pela fascinante e complexa arte-ciência da tradução, mas notabilizando-se, sobretudo, como um dos mais brilhantes nomes da dramaturgia brasileira, tendo produzido, no universo do gênero dramático, um admirável conjunto de obras que foram alvos de consagradoras apreciações por parte da crítica teatral especializada.
Autor de uma dramaturgia ancorada no porto das realidades cotidianas observáveis, sem descurar do trabalho cuidadoso com a palavra em sua representatividade cênica, Paulo Pontes, deliberadamente, afastava-se de um teatro psicologizante, pródigo no devassamento dos delírios e perplexidades da alma humana. Impressiona que, tendo vivido tão pouco, apenas trinta e seis anos de idade, Paulo Pontes tenha podido, de mãos dadas com a arte das coisas sabidas, para valer-me do título do livro que lhe foi consagrado pelo pesquisador Paulo Vieira, imprimir as suas indeléveis impressões digitais no universo teatral brasileiro.
Dona Dorziat, por seu turno, como aprendemos a tratá-la, desde sempre, até então, era a única e qualificada ocupante de tão importante Cadeira da Casa de Amaury Vasconcelos.
Dona Dorziat é signo onomástico polissêmico, para cuja elucidação minimamente convincente fazem-se necessários estudos de longo fôlego. O que aqui se busca consignar é uma cartografia diminuta da gigantesca intelectual campinense, da emérita conhecedora dos segredos e belezas da Língua Portuguesa, da qual Dona Dorziat foi uma incomparável e cativante mestra. Mestra essa que sempre foi grandemente festejada, tanto nas escolas públicas e privadas de Campina Grande, quanto na Universidade Estadual da Paraíba, que, num imperativo ético de reconhecimento histórico conferiu à Dona Dorziat o título de portadora de Notório Saber.
Com as normas e fundamentos da Gramática da Língua Portuguesa, devidamente internalizados em sua prodigiosa mente, Dona Dorziat era portadora de uma pedagogia sensível, empática, moderna e, naturalmente, cercada de competência por todos os lados. Foi nesta Cadeira, associada a dois nomes do mais alto quilate intelectual, que, agora, meritoriamente, depois de ser sufragada, majoritariamente, pelos seus pares, em pleito livre e democrático, que Iêda Lima assentou-se; assentou-se e passará a conferir dignidade, doravante, com os seus inegáveis méritos, bem como com os seus incontestáveis talentos. Portadora de sólida formação técnica na área de Engenharia de Transportes, na qual obteve o título de doutoramento na Universidade de São Paulo, Iêda Lima notabiliza-se, sobretudo, como uma cultivadora da palavra escrita, apanágio que se exige de quem aspira à imortalidade conferida pelo enamoramento com as letras.
Com os livros: Um olhar no retrovisor e outro na estrada; O Ruído do silêncio, bem como com as quinzenais intervenções nas páginas vetustas e respeitáveis de A União, Iêda Lima tem ratificado a condição de uma boa construtora de textos: ora os de caráter autobiográfico, no qual, com riqueza de detalhes, ela expõe os vãos e desvãos de uma vida sumamente rica de ziguezagueantes acontecimentos, ora os que incursionam por uma tessitura ficcional, que, no entanto, como toda ficção que se preza, firma os seus pés no chão do mais áspero realismo, o que trouxe a lume o multidimensional flagelo do abuso sexual, crime hediondo que, lamentavelmente crescente, em nossa decadente sociedade, tem vicejado em todos os lugares, mormente, na espacialidade familiar, na qual, em tese, deveria prevalecer o amor, o cuidado e a proteção. Num e noutro livro, Iêda Lima mostra-se uma narradora cuidadosa.
A biografia de Iêda Lima é bastante rica de acontecimentos. Da infância de afetos genuínos no casulo familiar, à constituição do seu lar pelos laços matrimoniais; da formação intelectual ferreamente adquirida, ao visceral mergulho no revolto mundo da política, ainda mais nos ásperos tempos em que o arbítrio entrava por uma porta, e a liberdade saía por outra. Era o tempo de partidos, tempo de homens partidos, conforme preconizou Carlos Drummond de Andrade em emblemático verso.
A Academia de Letras de Campina Grande se engrandece com a chegada da escritora Iêda Lima, aos seus quadros de sócia efetiva, eleita por seus pares para ser, em plenitude, a nova moradora da Casa que Amaury Vasconcelos, ao lado de homens e mulheres, na longínqua quadra cronológica dos anos oitenta erigiu, com o indesviável desiderato de que ela tivesse a missão precípua de ser uma infrangível defensora da Língua Portuguesa, patrimônio maior da cultura do nosso povo, bem como uma valorizadora da Literatura, essa privilegiada pátria da liberdade, república da beleza, território simbólico por onde ecoam transfiguradamente, as experiências humanas mais significativas. A despeito das inúmeras dificuldades por que frequentemente passam as instituições que se propõem ao cultivo da vida caudalosa do espírito, a Academia de Letras de Campina Grande prossegue firme e forte no cumprimento da sua solene e nobre missão.
Artigo publicado no jornal A União em 16 de Março de 2023
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